30 ANOS DO CDC
O CDC – Código de Defesa do Consumidor fez 30 anos no mês de setembro de 2020 e temos motivos para COMEMORAR.
O Brasil em 1990 foi mundialmente elogiado com a promulgação da Lei nº 8.078/90 (CDC), pois nascia um dispositivo legal absolutamente inovador e democrático no que tange às garantias dos direitos dos brasileiros frente às relações de consumo.
O Código, como expressa o seu próprio nome, entrou na vida do brasileiro para DEFESA do consumidor.
A ideia de hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor de produtos ou serviços, apresentou-se como um dos principais objetivos do legislador para a criação de uma LEI INOVADORA, observando alguns destaques como:
– Proteção da vida, saúde e segurança;
– INFORMAÇÃO adequada, BOA-FÉ e TRANSPARÊNCIA na relação jurídica (prestemos atenção nestes princípios);
– Proteção contra publicidade enganosa e abusiva;
– Proteção contratual e Segurança Jurídica;
– Concessão de Prazos para reclamação e arrependimento;
– Compra fracionada, venda casada;
– Cobrança ilegal ou abusiva, entre tantos outros direitos elencados no CDC.
O CDC NO ÂMBITO DO SEB – SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
No Brasil existem mais de 80 milhões de Unidades Consumidoras de Energia Elétrica no âmbito RESIDENCIAL, COMERCIAL e INDUSTRIAL.
Energia Elétrica não deve ser analisada de outra maneira, senão como INSUMO necessário à qualidade de vida das pessoas e produção na atividade empresarial e industrial. Portanto, a energia elétrica deve ser considerada MEIO e não FIM nas relações de consumo deste bem tão precioso.
Verifica-se que o Ambiente Regulatório do SEB, em vários momentos, não poucos, desconsidera o fato de o CONSUMIDOR FINAL ser a razão FIM de todo o Setor Elétrico Brasileiro, tratando-o como o “patinho feio” de toda cadeia de valor, esquecendo-se que é o consumidor quem arca com todos os custos do setor desde a geração até a distribuição.
A complexidade do Setor Elétrico Brasileiro não pode justificar as deficiências de comunicação, INFORMAÇÃO e TRANSPARÊNCIA por parte dos consumidores finais de energia elétrica, em especial no que tange a TRIBUTOS, ENCARGOS SETORIAIS, TARIFAS e MULTAS incidentes nas Faturas de Energia Elétrica (conta de luz).
Em verdade, a deficiência na INFORMAÇÃO e TRANSPARÊNCIA no âmbito das relações de consumo no SEB, viola, por si só, vários princípios constitucionais e do CDC.
Verdadeiro sentimento de indignação é saber que praticamente 50% do custo da energia elétrica consumida pelos brasileiros em suas residências, empresas e indústrias é composto por TRIBUTOS e ENCARGOS SETORIAIS.
A falta de INFORMAÇÃO e TRANSPARÊNCIA vem de imediato, quando o brasileiro se pergunta:
O que são Encargos Setoriais?
Pago isso em “minha conta de luz”?
E, para que serve?
Porque eu pago PIS/COFINS em minha “conta de luz” se esses tributos incidem no FATURAMENTO da empresa distribuidora?
Porque o ICMS é calculado 2 vezes na minha “conta de luz”, ou seja, ele é calculado sobre ele mesmo?
A OBSCURIDADE das várias respostas sobre as práticas, cobranças e comportamento do fisco e distribuidoras de energia elétrica colocam em dúvida a LEGALIDADE, JUSTIÇA e até MORALIDADE das medidas adotadas.
A dúvida do consumidor sempre teve fundamento!
Há anos o Poder Judiciário tem feito intervenção sobre medidas adotadas pelos entes que formam o Ambiente Institucional do Setor Elétrico Brasileiro, como por exemplo a Presidência da República, MME e ANEEL.
Instituições no Ambiente Físico, como é o caso das próprias Distribuidoras de Energia Elétrica, também têm sido alvo de várias decisões oriundas do Poder Judiciário em favor do consumidor, acerca de cobranças indevidas.
Não fica difícil retratar a realidade do alto custo da energia elétrica suportado pelo consumidor brasileiro, pontuando os ENCARGOS SETORIAIS, em especial o inchaço e ampliação da CDE – Conta de Desenvolvimento Energético com rubricas criadas ilegalmente por meio de decretos presidenciais (somente LEI pode dispor sobre Política Tarifária – Art. 175, parág. único, III[1]), bem como uma variedade de SUBSÍDIOS CRUZADOS para favorecer determinadas classes de atividades, em detrimento dos consumidores que arcam até hoje com tais benesses.
O CONSUMIDOR FINAL COMO CONTRIBUINTE INDIRETO – CONSUMO X TRIBUTAÇÃO
O consumidor final de energia elétrica, no âmbito da relação de consumo com a distribuidora local, torna-se contribuinte indireto do ICMS (estadual) e PIS/COFINS (federal), arcando ainda com a Contribuição Municipal denominada CIP ou COSIP.
No que tange a incidência TRIBUTÁRIA no consumo de energia, é cediço a maneira em que os Estados da Federação (de forma predatória) criam alíquotas de ICMS maiores do que cigarros, bebidas alcóolicas, armamentos, munição e até produtos de luxo, como iate, desconsiderando a ESSENCIALIDADE e SELETIVIDADE desse bem tão precioso e necessário à vida contemporânea. Aliás, esse é mais um assunto que será decidido pelo STF – Supremo Tribunal Federal em sede de Repercussão Geral[2].
O tributo PIS/COFINS incide precipuamente sobre o FATURAMENTO das empresas e, portanto, não faz sentido sua incidência sobre o consumo de energia elétrica.
Mas porque pagamos então PIS/COFINS na “conta de luz”?
De fato, não há incidência dessa modalidade de tributo federal na conta de luz, porém, as DISTRIBUIDORAS repassam ao consumidor final o PIS/COFINS incidente sobre sua receita.
Mas isso é legal?
Talvez a melhor pergunta seria: Isso é MORAL?
Enorme discussão foi gerada em torno desse assunto, não apenas pelo aspecto MORAL, mas, sobretudo, pela legalidade da art. 10 da Resolução Homologatória ANEEL nº 87/05 que autorizou as concessionárias de energia elétrica e de distribuição a:
“incluir no valor total a ser pago pelo consumidor, a partir de 1º de julho de 2005, a exemplo do ICMS, as despesas do PIS e da COFINS efetivamente incorridas pela concessionária, no exercício da atividade de distribuição de energia elétrica”.
A discussão assentou-se sobre a necessidade de Reserva de Lei Complementar para repasse de tributos e, portanto, não poderia ter sido instituída por Resolução da ANEEL.
O STF depois de quase 15 anos (25/10/2019) decidiu o Tema 415 em sede de Repercussão Geral, mediante o julgamento do RE 1053574 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, validando e tornando legal o repasse do tributo federal aos consumidores de energia elétrica e serviços de telefonia[3].
JUDICIALIZAÇÃO NO SETOR ELÉTRICO – ALGUMAS MEDIDAS DECLARADAS ILEGAIS OU INCONSTITUCIONAIS PELO PODER JUDICIÁRIO SOBRE O DILEMA CONSUMIDOR X TRIBUTAÇÃO
A JUDICIALIZAÇÃO das questões ligadas ao SEB é inevitável por conta da complexidade e variedade absoluta de normas regulamentadoras, para não se dizer que atualmente o SEB é uma verdadeira “COLCHA DE RETALHOS.
O caminho para solução prática, rápida e eficaz já começa a ficar obscuro por conta da morosidade do Poder Judiciário e o despreparo dos julgadores sobre temas ligados ao Setor Elétrico Brasileiro.
Por outro lado, verifica-se absoluto DESINTERESSE ou CONVENIÊNCIA em se decidir questões que causariam enormes prejuízos aos cofres públicos e às distribuidoras, deixando o CONSUMIDOR mais uma vez desprotegido.
A máxima de que o interesse público prevalece sobre privado, não pode ser amparado, em qualquer hipótese, por meio de ilegalidades exercidas pelo poder público e seus “longa manus”, somente para justificar o equilíbrio do setor elétrico.
– Alguns conflitos judicializados:
1 – CDE – CONTA DE DESENVOLVIMENTO ENERGÉTICO (2015) – MP 579/12
Por meio de vários Decretos (7.945/13, 8.203/14, 8.221/14 e 8.272/14) a Presidência da República dispôs sobre Política Tarifária e ampliou a CDE – Conta de Desenvolvimento Energético (principal encargo setorial), a fim de solucionar medidas populistas lançadas para redução do custo de energia, seguida de crise hidrológica.
Por meio desses Decretos o Consumidor pagou até 2018, dentre outros encargos, os custos com as obras das “Olimpíadas Rio 2016”.
O Poder Judiciário ainda está decidindo sobre a teratológicas medidas aplicadas pelo Governo Federal da época e, conforme o resultado das ações, possui passivo bilionário ser restituído aos consumidores de energia.
2 – ICMS INCIDENTE SOBRE DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA NOS CONTRATOS DO “GRUPO A” – DECISÃO – TEMA 176 STF – REPERCUSSÃO GERAL
Depois de anos de discussão o STF em recente decisão (27/04/2020) sobre o Tema 176 em sede de Repercussão Geral[4], decidiu a questão ligada a incidência do ICMS sobre a Demanda de Potência Contratada e Não Utilizada nos contratos de Energia do “Grupo A”.
O STJ em 07/10/2009, publicou a Súmula 391 STJ que estabelecia o seguinte:
“O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada “
O STF no julgamento do Tema 176 (Repercussão Geral) confirmou a Súmula 391 STJ, declarando a ilegalidade da incidência do ICMS sobre a “DCNU – Demanda Contratada e Não Utilizada” nos contratos de energia do Grupo A.
A restituição dos valores aos consumidores também é bilionária!
3 – EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS
Em 09/03/2017 e 15/03/2017, mediante o julgamento do RE 574.706/PR, sob a relatoria da Min. Carmén Lúcia, em sede de Repercussão Geral, foi pacificado pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS, com efeitos erga omnes, sepultando de vez discussão de décadas.
Entretanto, restando ainda o julgamento dos Embargos de Declaração protocolado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, aguarda-se definição acerca de:
– Qual será o montante do crédito a ser repassados aos consumidores: “ICMS-Destacado” x “ICMS-Recolhido”;
– Quem deverá repassar esse montante? A União Federal ou a Distribuidora?
Muitas são as indagações e entendimentos acerca desses pontos, porém, nada definido.
4 – ICMS – TUSD/TUST
Essa tese tornou-se famosa e comum no meio jurídico, sendo adotada, inclusive, por advogados que não são especialistas em Direito da Energia Elétrica, na medida em que o ICMS não poderia incidir sobre os encargos de transmissão, distribuição e conexão na entrada de energia elétrica, especialmente sobre as Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).
A tese objetiva a declaração da inexistência de relação jurídico-tributária desobrigando o “consumidor/contribuinte indireto” do recolhimento do ICMS sobre quaisquer encargos de transmissão e distribuição, de modo que a base de cálculo se restrinja ao efetivo fornecimento e consumo de energia elétrica, com a consequente repetição do inédito nos últimos 05 (cinco) anos.
O fundamento legal precípuo vem no sentido de que a determinação efetiva para a incidência do ICMS nas operações, deve envolver a circulação jurídica e não meramente física de mercadorias.
Fato é que, para fins tributários, a energia elétrica foi equiparada à MERCADORIA, ensejando o imposto, conforme interpretação conjugada do artigo 155, §2º, X, “b” e § 3º da CF, e, portanto, não deve incidir sobre as respectivas TARIFAS.
A tese chegou ao STF, por meio do Tema 956 (Repercussão Geral), porém, em 07/08/2017 o Min. Edson Fachin declinou a competência e devolveu a matéria ao STJ.
Atualmente, a questão está subordinada ao Tema 986 STJ (Recursos Repetitivos), recebida em 15/12/2017 pelo Min. Herman Benjamin, o qual determinou a suspensão nacional de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos (Art. 1.037, II, CPC).
5 – PRINCÍPIO DA ESSENCIALIDADE E SELETIVIDADE NAS ALÍQUOTAS DE ICMS/ENERGIA
A discricionaridade dos Estado da Federação em definir alíquotas de ICMS para produtos essenciais como energia elétrica, deverá, obviamente, obedecer aos princípios da SELETIVIDADE e ESSENCIALIDADE.
Pois bem, na ânsia arrecadatória, muitos estados instituem de forma predatória alíquotas de ICMS maiores do que produtos como cigarros, bebidas alcóolicas, armamentos, munição e até produtos de luxo.
Discussão acirrada sobre a questão chegou ao STF, em 04/10/2012, gerando o Tema 745 em sede de Repercussão Geral (RE 714.139). A tese sob relatoria do Min. Marco Aurélio alcança o art. 155, § 2º, III, da Constituição federal, que prevê a aplicação do princípio da seletividade ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.
Os consumidores aguardam com ansiedade a decisão do STF, na medida em que estados cobram alíquotas de energia que variam de 18% até 30%, como é o caso do estado do Rio de Janeiro.
– Outras medidas que atingem o consumidor indiretamente
6 – GSF – Generation Scaling Factor
O GSF é umasigla em inglês que significa “Generation Scaling Factor” e corresponde à relação entre o volume de energia que é gerado pelas usinas e sua garantia física, ou seja, o risco hidrológico das usinas hidrelétricas.
O passivo relativo ao risco hidrológico tornou-se um problema estrutural no SEB – Setor Elétrico Brasileiro, uma vez que está travando liquidações e investimentos no setor.
O problema gerou, durante anos, a judicialização do setor com uma sucessão de processos judiciais e liminares.
A solução da questão passou a ser necessária para viabilizar a modernização e abertura do mercado de energia elétrica no país, na medida em que a inadimplência já soma mais de R$ 8 bilhões.
Os agentes do setor e as entidades governamentais vêm debatendo há anos as possibilidades de resolver o problema do GSF.
No imbróglio legislativo para solução da questão, o Senado Federal aprovou recentemente o Projeto de Lei n° 3.975/2019 e destravou os valores do passivo gerado pela judicialização do risco hidrológico.
Mas o que o consumidor tem a ver com isso?
O consumidor que deveria ser a razão de ser do setor elétrico, sempre acaba arcando com todos os custos gerados por discussões entre geradoras, distribuidoras e governo.
Nesse caso, desde 2016, quando alguns geradores hídricos aceitaram repactuar o risco hidrológico, os custos de exposição ao Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) desses agentes foram repassados aos consumidores.
Em resumo, os custos da energia mais cara, normalmente energia térmica, utilizada quando as hidrelétricas não conseguem gerar o que se espera delas, sempre será repassado aos consumidores na conta de luz.
Assim, o consumidor que é a última figura na cadeia de valor do SEB, é também quem efetivamente arca com todos os custos e deve, no mínimo, ser munido de INFORMAÇÃO e TRANSPARÊNCIA nas relações de consumo e tributária. Porém, isso não vem ocorrendo!
Por tudo isso, talvez quando a energia elétrica passar a ser tratada como MEIO e não FIM, os consumidores poderão dormir em paz!
[1] Art. 175. (…) Parágrafo único. A lei disporá sobre: (…) III – política tarifária;
[2] STF – Tema 175 – RE 714.139 – Relator Min. Marco Aurélio
[3] “Não há reserva de lei complementar para o repasse do PIS e COFINS ao usuário de serviços públicos concedidos, tais como telefonia e energia elétrica, cobrado nas respectivas faturas”. Plenário, Sessão Virtual de 18.10.2019 a 24.10.2019.
Por: Reinaldo Azevedo – Advogado Especialista em Direito da Energia Elétrica, Co-Fundador e CEO da Energy Review.
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